“É difícil acreditar que somos nós os culpados
É mais fácil culpar Deus ou então o Diabo”
(Violência, de Sérgio Britto e Charles Gavin)
Dessa vez, a crítica veio lá de cima. E com ordens para mudar. Mudar já, pois as eleições de 2024 estão na boca e elas são a antessala da eleição presidencial de 2026. Mudar porque está ruim e, se assim continuar, a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a continuidade do projeto nacional por ele liderado tornam-se ameaçadas.
Estamos falando da resolução do Partido dos Trabalhadores para as eleições de 2024, divulgada na quarta-feira, 30, que aponta a necessidade de aprofundamento de medidas, para além das já em curso no atual governo, com o objetivo de consolidar uma política nacional de segurança pública.
O documento vai direto ao ponto: “A violência é um método inaceitável de ação por parte das polícias estaduais, que atinge a população mais jovem, pobre e preta do nosso país, assim como tem incidência nos próprios policiais”.
O texto é diplomático. Não nomina nenhum governador, petista ou não. Diz apenas que eles têm a oportunidade e o desafio, junto com o governo federal, de mudar situações como essas, buscando enfrentar as organizações criminosas com base numa política maior de inteligência e investigação. Não deixa, porém, de ser um recado claro para o PT da Bahia, que governa o Estado desde 2007.
A questão é que a Bahia tornou-se, nos últimos oito anos, o Estado mais violento do Brasil (no ano passado foram 6.659 mortes violentas intencionais, segundo o anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública) e hoje ocupa a liderança do ranking nacional da letalidade policial (só em 2022, foram 1.464 pessoas mortas em confrontos com a polícia).
Por conta dessa política de segurança de viés bolsonarista, segundo a qual bandido bom é bandido morto, a Bahia não sai das manchetes da imprensa, com uma sucessão de notícias negativas nessa área, sobretudo as que se referem aos efeitos colaterais dessa política de guerra: a morte e a criminalização de inocentes, jovens negros em sua maioria.
A resolução do PT aponta para uma proposta de segurança pública no âmbito local que considere a escuta dos trabalhadores e das comunidades, enfrentando a violência policial.
Exatamente o inverso do que ocorre hoje na Bahia, com o governo mantendo-se alheio às crescentes manifestações de diversas entidades, principalmente as ligadas ao movimento negro, contra a violência policial.
A inclusão da questão da violência policial na resolução baixada pela direção nacional do PT para as eleições de 2024 não ocorre à toa. Deve apoiar-se, com certeza, em pesquisas qualitativas que apontam o que já se percebe em Salvador e nas cidades médias do interior: parcelas do movimento negro organizado e de entidades de direitos humanos, tradicionalmente apoiadoras do PT, elevando o tom das críticas ao governo baiano e gradativamente se afastando do PT.
Vamos à matemática: na eleição passada, Lula venceu Bolsonaro por uma diferença de 2.139.645 votos. Na Bahia, Lula obteve 72,12% dos votos válidos e Bolsonaro, 27,88%. A frente do petista nas urnas baianas foi de 3.740.787 votos. Numa conta simples, perder essa frente é colocar em risco a reeleição de Lula.
Ou seja, no plano político, a reeleição de Lula depende de vários fatores, é óbvio. Mas na Bahia, ela passa também por uma revisão total da política de segurança do governo do petista Jerônimo Rodrigues. E essa não é uma mera cobrança da oposição e muito menos uma invenção da imprensa. É a compreensão do diretório nacional do PT.
Aceitar dói menos. É simples assim.