“No meu país o preconceito é eficaz
Te cumprimentam na frente
E te dão um tiro por trás”
(Racistas Otários, de Mano Brown e Ice Blue)
Ela já foi considerada a terceira melhor praia do mundo em uma lista feita em 2007 pelo jornalista Gavin McOwana, editor de turismo do prestigioso jornal britânico The Guardian – o que a colocava, evidentemente, como a melhor praia do Brasil.
Há quem discorde, é claro. Alguns acham que o título caberia melhor na Praia do Sancho, em Fernando de Noronha. Ou nas icônicas e mundialmente famosas Copacabana e Ipanema. Outros dizem que a melhor é Caraíva, no Sul da Bahia, ou a Praia do Toque, em Alagoas. E até mesmo a fluvial Alter do Chão, que fica no coração da floresta amazônica, a uns 500 km em linha reta do litoral paraense, disputa o posto.
Para os baianos, porém, não há dúvida: o Porto da Barra, em Salvador, com suas águas calmas e sempre limpas (certamente por um desses inexplicáveis caprichos da natureza) pode não estar entre as melhores praias do mundo, mas com certeza é a melhor da Bahia e, quiçá, do Brasil. Com um encanto a mais: é um dos poucos pontos da costa brasileira voltado para o poente – o que lhe garante pores do sol deslumbrantes, entusiasticamente saudados com palmas pela turma que ali se reúne para ver o astro-rei mergulhar nas águas da Baía de Todos-os-Santos.
No último domingo, 10, Dia Internacional dos Direitos Humanos, baianos e turistas que disputavam um lugar na faixa de areia do Porto da Barra, foram surpreendidos com a visão de uma faixa estendida entre dois barcos com a frase “A Bahia é o estado que mais mata o povo negro” e a hashtag “#ViverÉDireito”. Lentamente, sempre com a faixa visível para quem estava em terra, os dois barcos percorreram o trecho de mar entre o Porto e o Farol da Barra – outro dos mais procurados pontos turísticos da capital baiana.
Era uma ação para chamar a atenção para uma carta aberta, assinada por 62 organizações da chamada sociedade civil, em protesto pelo aumento da violência contra a população negra em áreas centrais e periféricas de Salvador e em várias cidades do interior, como resultado da intensificação do confronto armado que envolve a disputa de poder e território entre facções criminosas rivais e a atuação das forças repressivas do Estado.
Na carta aberta, as entidades reconhecem o quanto é desafiador o enfrentamento dessa problemática, mas argumentam que “não se pode esvaziar o debate e naturalizar a ideia de que o enfrentamento deva passar apenas pela esfera de uma repressão estatal a esses territórios e comunidades”.
O documento, apresentado à imprensa no dia seguinte, cobra das autoridades medidas concretas diante do agravamento da repressão policial na Bahia e do descaso do Estado na proteção de comunidades rurais, assentamentos e áreas indígena.
“O que se nota é um modelo operativo com ações características de uma guerra regular, que gera pânico e mortes nas comunidades negras”, dizem as entidades na carta aberta, acrescentando que “o Estado brasileiro não pode apostar na violência como estratégia de segurança pública, e negligenciar as demandas populares e a necessidade de reparação histórica aos povos”.
O documento cita a última edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que aponta a Bahia em primeiro lugar no ranking de letalidade policial em 2022, respondendo por 22,77% das ocorrências nacionais, e destaca o estudo “Pele Alvo: a cor que a polícia apaga”, segundo o qual apenas uma vítima das 299 pessoas mortas pela polícia baiana naquele ano era branca.
As entidades lembram ainda que a alegada razão para o aumento da violência nos bairros negros tem sido o combate à criminalidade, a militarização das comunidades pelas facções e, de modo mais geral, a chamada “guerra às drogas” e ao narcotráfico. E questionam: “Se as drogas estão em todos os espaços, inclusive nos bairros de classe média e alta, porque somente os territórios negros são os alvos dessas operações repressivas, que somaram 380 mortes, entre janeiro e novembro de 2023?”
Faz sentido.