A laurofreitense Victória Beatriz viu um sonho ser alcançado e destruído logo depois. Ela passou pelas seletivas de rainha do Carnaval de Lauro Freitas, na região metropolitana de Salvador, e ficou em 2º lugar, o que resultou num convite para ser princesa. Porém, o reinado durou pouco: por ser uma mulher trans, a Associação Carnavalesca da cidade decidiu não entregar o prêmio a ela.
O concurso, ocorrido no último dia 20, era para eleiger Rei Momo, rainha e princesas. Como a coroação de princesa não tinha sido planejada, ela não recebeu a faixa e a coroa no mesmo dia, mas já tinha sido colocada grupo do whatsapp do “reinado”. “No sábado eu teve um bloco em Villas do Atlântico e eu já participei junto com o rei e a rainha, foi muito bom e divertido”, lembra.
Porém, neste domingo (28/01), um dia antes do Dia da Visibilidade Trans, o organizador disse que a candidatura não foi aceita pela comissão. “Ele me fez a proposta de que eu fosse princesa no bloco ‘As poderosas’, um bloco tradicional de homens vestidos de mulher. Eu não aceitei, disse: ‘Não quero ser princesa de um bloco de gente que se veste de mulher, eu sou mulher'”, defendeu.
“Ser princesa do Carnaval não é só estar representando um bloco e sim representando a cidade, participando de todos os blocos! Vamos parar para pensar, se fosse uma mulher com vagina será que a comissão aprovaria para ser a princesa do Carnaval? Ou será que é porque eu sou trans, e eles não estão acostumados a ver nossos corpos ocupando esses espaços?”, reclamou.
Vitória argumenta ainda que haviam outras mulheres trans concorrendo, o que significa que isso nunca tinha sido empedimento. “Eu competi com mulheres cis é venci”, afirma.
Ela chegou a postar parte do seu desfile, comemorando o título. “Estou aqui representando a cada mulher que por muitas vezes é invisibilizada, impedida, violentada estruturalmente pela sociedade, mas que ainda assim tem dentro de si um sonho, e é com sua força de vontade que um dia irá realizar”, escreveu.
“Sim, somos capazes, vamos a luta pois já somos vitoriosas só pelo simples fato de existir. Me chamo Victoria Beatriz e meu sobrenome é RESISTENCIA!”, finalizou.
Após reclamar no stories da sua ‘desclassificação’, diversas pessoas apoiaram a mulher repostando o vídeo e enviando ao Departamento LGBT da cidade, ligado a Secretaria de Políticas Afirmativas, Direitos Humanos e Promoção da Igualdade Racial (SEPADHIR). Em nota, a pasta informou que já tomou conhecimento e está averiguando a situação.
“Estamos a disposição para acolher e orientar Victória Beatriz, bem como, acompanhar e apurar os fatos. Pedimos um esclarecimento, por parte da Associação Carnavalesca de Lauro de Freitas, bem como um posicionamento sobre o concurso do carnaval 2024, referente a Princesa do Carnaval de Lauro de Freitas”, diz o comunicado.
Victória disse que o secretário de Cultura entrou em contato com ela e disse que iria tomar providências, mas não disse quais providencias seriam essas. Ela, agora, só espera continuar a viver seu reinado no carnaval.
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ATUALIZAÇÃO
Após a publicação desta matéria, o presidente da Associação Carnavalesca e Cultural de Lauro de Freitas enviou uma carta aberta à Victória. Confira:
“Reporto-me à sociedade laurofreitense, no sentido de esclarecer e sanar as dúvidas referentes aos fatos ocorridos na última eleição para a escolha do Rei Momo e da rainha do carnaval de Lauro de Freitas. Fatos esses que estão se tornando público e que merecem a devida atenção de todxs.
Antes de tudo, porém, é importante salientar que o concurso do rei Momo e da rainha do carnaval é realizado há mais de dez anos pela associação carnavalesca e cultural de Lauro de Freitas e segue os critérios definidos pela comissão executiva que coordena o evento.
Neste ano de 2024, assim como nos anteriores, o processo de escolha seguiu protocolos. E escolheu no dia 24/01 a dupla que comandará a folia na cidade.
Acontece que de forma unilateral e com a boa intenção de contemplar a diversidade contida no carnaval, me comprometi com a candidata Vitória Beatriz.
Essa nomeação, contudo, não foi respaldada pela comissão executiva que organiza um concurso baseado nos critérios e regimento interno, e que não encontrou base legal para conceder o título de princesa à Vitória Beatriz. Assumo publicamente a inteira responsabilidade de ter, de forma precipitada, me comprometido com a modelo Vitória Beatriz, ao tempo que com a devida disciplina, a decisão da comissão executiva. Peço desculpas a modelo Vitória pela exposição e pela frustração do sonho, mas reitero que minha atitude foi pautada na vontade de acertar, de potencializar e de afirmar a diversidade e a pluralidade existente na festa de Momo.
Seguirei lutando, sempre respeitando as regras do jogo e sempre buscando pautar a luta dos que buscam por direito, dignidade e representatividade. Esse é o compromisso de minha vida, o motivo da minha existência.
Lourenço Alves de Oliveira Júnior
Presidente da Associação Carnavalesca e Cultural de Lauro de Freitas”
