“Meu Deus do céu, que carestia
Pois tudo sobe, sobe, sobe hoje em dia
Ai, ai, meu patrão, assim não aguento
Eu quero, eu quero mais aumento”
(Ai, que carestia, de Victor Simon e Liz Monteiro)
Parece ser um caso de fogo amigo, mas prefiro acreditar que não. Penso ser mais um caso de azar de um e desatenção (quase escrevi desinteligência) de outro. O um, no caso, é o governador Jerônimo Rodrigues. O outro, o desatento, digamos, é a diretoria da Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Energia, Transportes e Comunicações da Bahia, a Agerba. Aos fatos.
Nesta quinta-feira, 28, a imprensa baiana abriu suas manchetes para a divulgação de uma pesquisa de opinião feita pela Real Time Big Data, por encomenda da TV Record, indicando que a desaprovação do governo de Jerônimo Rodrigues (PT) atingiu 56% em Salvador – apenas 32% dos entrevistados disseram aprovar a gestão do petista, outros 12% não souberam ou não responderam.
Para azar do governador, no mesmo dia, a imprensa também abriu manchetes para um tarifaço envolvendo nada menos que quatro serviços que operam sob regulamentação da Agerba (vale dizer, do governo estadual): as passagens das lanchinhas que operam a travessia marítima entre Salvador e Vera Cruz, na Ilha de Itaparica, aumentaram 14,89%; as passagens dos ônibus metropolitanos tiveram reajuste de 8,11%; as tarifas de embarque doméstico e internacional no Aeroporto de Ilhéus foram aumentadas em 4,82%; e as tarifas do pedágio da Concessionária Litoral Norte tiveram aumento de 4,6%.
Talvez a direção da Agerba, ao divulgar o aumento nas tarifas dos quatro serviços de uma só vez, tenha se inspirado em Nicolau Maquiavel (1469-1527). Segundo o filósofo florentino, quando o governante for fazer o bem deve fazê-lo aos poucos, mas quando for praticar o mal, deve fazê-lo de uma só vez.
Só que não basta ler Machiavel, se é que algum dos diretores da Agerba o fez – eu na verdade estou apenas elucubrando, numa tentativa de livrar a pele do colegiado. É preciso saber interpretar o que se leu e, sobretudo, saber como aplicar o ensinamento para que ele não tenha efeito contrário.
No presente caso, se feito aos poucos, o mal causaria menos estrago. Divulgados isoladamente, os aumentos tarifários não teriam impacto relevante – inclusive porque os usuários dos quatro serviços são públicos diferentes. Juntos, porém, viraram um tarifaço, de carga negativa bem mais ampla.
Não, amável leitor, os dirigentes da Agerba não podem alegar que não sabiam que seu tarifaço iria coincidir com a divulgação da pesquisa apontando tão elevada desaprovação da gestão do governador. Todo mundo sabia que a Record iria divulgar a pesquisa. E só quem não é do ramo ignorava que os números do levantamento seriam ruins para o governo.
O tarifaço foi aprovado em reunião na segunda-feira, 25, e poderia ter sido divulgado no mesmo dia. A Agerba, porém, preferiu deixar a divulgação para a quinta, o mesmo dia da pesquisa. Daí porque alguns viram fogo amigo na coincidência. Não foi. Mas que parece…
