Me leve pra qualquer lado
Só um pouquinho de proteção
Ao maior abandonado”
(Maior Abandonado, de Cazuza e Frejat)
Eis aqui um caso grande de maior abandonado. E isso não é uma mera figura de retórica, Iaiá. O artista visual polonês naturalizado brasileiro Frans Krajcberg (1921-2017) está, de fato, entre os maiores de nosso tempo, detentor de inúmeros prêmios nacionais e internacionais, como o de melhor pintor nacional na Bienal de São Paulo de 1957 e na Bienal de Veneza de 1964.
Criou uma das obras mais instigantes e contundentes em defesa da natureza – e isso muito antes de o tema virar modismo e do processo de dizimação das matas brasileiros alcançar o ritmo e a dimensão elevados que a gente vê quase todos os dias nas telas da tv, nos vídeos que se multiplicam pela internet e no noticiário da imprensa mundo afora.
O abandono fica por conta do que vem ocorrendo com parte substancial do legado do artista, que doou ao Governo da Bahia em 2009 um conjunto de 48 mil itens, entre esculturas, gravuras, fotografias e pinturas, com o objetivo de preservá-los após sua morte.
As peças doadas continuam no Sítio Natura, antiga casa e ateliê do artista em Nova Viçosa, no Sul da Bahia, sendo consumidas por cupins e brocas – com exceção de umas poucas que foram recuperadas por iniciativa do Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia, uma instituição cultural privada, para uma exposição comemorativa dos 100 anos de nascimento do artista, realizada em 2022.
Mas nem tudo está perdido, Ioiô. Em alguns cantos dessa nossa triste Bahia ainda existem pessoas e instituições preocupadas com a preservação de tão importante legado cultural. E imagine só, a esperança não renasce a partir de uma iniciativa das tantas estruturas governamentais do campo cultural – inclusive porque, nesses 15 anos em que o acervo passou à propriedade do Estado, essas instituições nada ou quase nada fizeram para preservá-lo.
A iniciativa, por incrível que pareça, partiu de um órgão de controle externo, vocacionado para a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da administração pública: o Ministério Público de Contas.
Na última semana do mês passado, por iniciativa da promotora Erika de Oliveira Almeida, o Ministério Público de Contas levou o Tribunal de Contas do Estado da Bahia, a estabelecer um prazo de 150 dias para que o governo baiano assuma a conclusão das obras do Museu Artístico e Ecológico, em Nova Viçosa. O equipamento, a ser instalado no Sítio Natura, também doado por Krajcberg ao Estado em 2009, deverá abrigar, proteger e expor o acervo deixado pelo artista.
Cauteloso, o Tribunal de Contas explicou que, na verdade, trata-se apenas de um parecer, ou seja, uma recomendação, pois não tem poder para obrigar o governo estadual a cumprir a medida. Só que a questão não é de ter ou não ter poder. Trata-se de preservar ou deixar desaparecer o importante acervo de um dos mais importantes artistas visuais que aqui viveram – e que no fim da vida escolheu o governo da Bahia como guardião de seu rico legado à luta em defesa da natureza.
Pode não resultar em nada prático, mas, de todo modo, é mais uma voz que se junta ao grito geral: vamos preservar o legado de Frans Krajcberg.