*Por: Plácido Faria
Entre os crimes que pesam contra o cantor de rap Oruam, um dos mais relevantes é o de associação para o tráfico, previsto no artigo 35 da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas).
Esse crime possui natureza dolosa e exige um especial fim de agir: o propósito de praticar, de forma associada, o tráfico de drogas ou de maquinários voltados à sua produção, preparação ou transformação. Para que o tipo penal se configure, é necessário o envolvimento de pelo menos duas pessoas, com ajuste prévio e estabilidade na associação — ainda que por curto período. Não se trata, portanto, de um vínculo ocasional.
Importante frisar que se trata de crime autônomo, ou seja, não é necessário que se comprove a prática efetiva do tráfico (art. 33) ou do tráfico de instrumentos (art. 34). Basta que haja indícios consistentes da associação com finalidade de tráfico.
Associação para o tráfico x associação criminosa (art. 288 do Código Penal)
É comum a confusão entre o crime de associação para o tráfico e o crime de associação criminosa, previsto no art. 288 do Código Penal (antigo crime de quadrilha ou bando). Contudo, eles possuem distinções fundamentais:
• O crime do art. 35 da Lei de Drogas exige apenas duas pessoas e tem finalidade específica: a prática de crimes relacionados ao tráfico;
• Já a associação criminosa do Código Penal exige ao menos quatro pessoas e tem finalidade genérica, ou seja, a prática de crimes em geral, sem necessidade de especificação.
No caso de Oruam, se ficar comprovado que ele se associou de forma estável com outro(s) indivíduo(s) com a finalidade de praticar tráfico, sua prisão preventiva poderia ser justificada juridicamente, ainda que não tenha havido apreensão de entorpecentes no momento da operação. Essa possibilidade encontra amparo na jurisprudência e na doutrina penal.
Apesar do indiciamento por associação para o tráfico, tudo indica que a prisão do cantor foi precipitada pelo episódio ocorrido no bairro do Joá, no Rio de Janeiro, durante uma operação para apreender um adolescente supostamente foragido. Foi nesse contexto que se teria iniciado o confronto com os policiais.
Quanto aos demais crimes mencionados pela imprensa — resistência, desacato, ameaça, lesão corporal e dano ao patrimônio público —, não há, até o momento, informações suficientes que permitam uma análise técnica isenta sobre a existência de justa causa ou de materialidade e autoria.
É fundamental que o processo penal se desenvolva com rigor técnico, respeito aos direitos individuais e observância aos princípios constitucionais. A prisão preventiva deve ser medida excepcional, e jamais aplicada com base em presunções ou clamor público.
Como já advertia Rui Barbosa: “A pior forma de injustiça é a justiça simulada, em que o excesso de justiça oculta o excesso de injustiça.”
Diante disso, casos como o de Oruam não podem ser analisados com superficialidade. É preciso garantir que o devido processo legal prevaleça — em nome do Estado Democrático de Direito.
*Plácido Faria é advogado criminalista, já atuou como promotor de Justiça e integrante do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – placidofaria@yahoo.com.br