José Carlos Teixeira*
“Eu tô te explicando pra te confundir
Eu tô te confundindo pra te esclarecer
Tô iluminado pra poder cegar
Tô ficando cego pra poder guiar”
(Tô, de Tom Zé)
Nesta sexta-feira, 26, começa a invasão dos lares brasileiros, via rádio e televisão, por uma tropa de 28 mil candidatos inscritos para disputar as eleições do próximo dia 2 de outubro. É o início do chamado Horário Eleitoral Gratuito – aliás, de gratuito ele não tem nada, como se verá no final desse artigo. Vai até o dia 29 de setembro, quando estarão faltando apenas três dias para a eleição.
Sem sequer pedir licença, os candidatos entrarão em nossa casa para, como na canção do tropicalista Tom Zé, supostamente nos esclarecer, algumas vezes confundir e quem sabe nos cegar, se necessário for. Todos querendo poder nos guiar pelos caminhos que levam à segura e auditável urna eletrônica, onde, se tudo correr como eles sonham e desejam, digitaremos seus números.
Mas não é fácil. Nem para eles, nem para o eleitor. Há 1.001 obstáculos a vencer nessa longa caminhada. A começar pela questão do desconhecimento: para votar certo, o eleitor gostaria de conhecer o candidato, mas esse só se mostra naquele ângulo em que sai melhor na fotografia. Bem ao modelo do ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero, ou seja, “o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”.
De todo modo, isso não é problema: o outro lado, aquele da foto ruim, os adversários cuidam de revelar. Quase sempre de modo a causar o maior estrago possível, afinal, guerra é guerra.
No quesito do conhecimento, levam vantagem, obviamente, os que já estão na estrada há mais tempo, os que já ocuparam cargos importantes e seguem na memória do eleitor, os que disputam a reeleição aboletados nas cadeiras do poder e ainda os que se tornaram conhecidos por brilharem em outras esferas, como os artistas e os jogadores de futebol. Ah, e também os que têm padrinhos fortes e aqueles que se tornaram bons padrinhos de si mesmo.
Ainda desconhecido por 61% dos eleitores, segundo a pesquisa DataFolha divulgada esta semana, o petista Jerônimo Rodrigues, candidato da situação, joga suas fichas no horário eleitoral. Ele segue patinando em 16% das intenções de voto, de acordo com o mesmo levantamento, mas acredita que pode virar o jogo e ultrapassar o ex-prefeito ACM Neto, que lidera a disputa com 54% de preferência e é conhecido por 92% dos eleitores. Um problemão, mas o pessoal do governo bota fé.
Faz sentido. É que, mesmo com o avanço das redes sociais da internet, a televisão ainda é um veículo de grande relevância nas campanhas eleitorais, sobretudo na tarefa de apresentar candidatos desconhecidos aos eleitores – favorecendo a transferência de votos. Segundo pesquisa da Quaest, realizada por encomenda do Instituto RenovaBR e divulgada no mês passado, 46% dos eleitores se informam sobre política primeiramente pela televisão; 21% pelas redes sociais; e apenas 12% por sites, blogs e portais de notícias. A importância da televisão, nesse aspecto, é maior entre os mais pobres, com renda de até 2 salários mínimos.
A dificuldade está na queda da audiência. Na eleição de 2018, uma medição do Ibope revelou queda na audiência das emissoras de televisão na primeira semana da propaganda eleitoral. Na semana anterior ao início da exibição do programa eleitoral, a média do mercado nacional no primeiro horário, às 13h, foi de 32,7 pontos. Na primeira semana de propaganda eleitoral registrou 24,2 pontos, uma queda de 26%. Cada ponto equivale a 693.7 mil espectadores em todo o país. No horário noturno, das 20h30, a audiência caiu de 50,9 pontos para 39,6 pontos, uma queda de 22%.
Jerônimo vai ter menos de duas horas no horário eleitoral na televisão, um pouquinho de tempo mais que dois capítulos da novela Pantanal, distribuídas em 30 programas de 3 minutos e 39 segundos, exibidos às segundas, quartas e sextas pela tarde e à noite. No rádio, o tempo será o mesmo. Além disso contará com 359 inserções de 30 segundos para veiculação na grade normal das emissoras, uma média de 10 por dia.
Quase todo esse tempo deverá ser usado para apresentar o candidato ao eleitor e mostrar insistentemente que ele faz parte de um time comandado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que é líder absoluto da disputa presidencial no Estado (tem 61% das intenções de voto, contra apenas 20% de Jair Bolsonaro, segundo o DataFolha). Colar Jerônimo em Lula é a prioridade, ficando em segundo plano a apresentação do plano de governo e até mesmo ataques aos adversários.
Líder das pesquisas, com 54% das intenções de voto segundo o DataFolha, ACM Neto, do União Brasil, terá um tempo maior no horário eleitoral: quase duas horas e meia. Serão 30 programas de 4 minutos e 39 segundos, mais 457 inserções de 30 segundos – uma centena de inserções a mais que o adversário e um minuto a mais no programa eleitoral.
Sem precisar esforço adicional para apresentar-se, pois já é conhecido de praticamente todos os eleitores, ACM Neto deverá usar seu tempo no horário eleitoral para apresentar suas propostas e, sobretudo, atacar os pontos fracos dos governos do PT.
Com isso, pretende forçar Jerônimo a dedicar mais tempo à defesa do legado do governo de Rui Costa, seu padrinho político, que encarna um aparente paradoxo: é um gestor bem avaliado, graças aos investimentos massivos em propaganda, mas amarga taxas negativas exatamente nos indicadores sociais mais caros ao PT: emprego, saúde, educação e segurança pública.
A ênfase no ataque ao legado de Rui Costa, apontando as fragilidades do governo estadual nessas áreas sensíveis, decorre, de um lado, do fato de tais problemas estarem na pauta diária da população, principalmente das pessoas mais carentes. De outro lado, da dificuldade demonstrada por Jerônimo para defender o indefensável nas entrevistas e sabatinas de que participou.
Terceiro lugar nas pesquisas (apenas 8%, segundo o DataFolha), o bolsonarista João Roma ainda é desconhecido por 69 dos eleitores e vai dispor de apenas 118 inserções de 30 segundos e apenas 1 minutos e 12 segundos no programa eleitoral. Muito pouco. Vai ter que escolher entre apresentar suas propostas, atacar Jerônimo e Neto ou promover Jair Bolsonaro, razão única de sua candidatura. Kleber Rosa, candidato da federação Psol-Rede, terá 32 segundos em cada programa do horário eleitoral e 45 inserções de 30 segundos. O suficiente para marcar presença.
Ah, o horário eleitoral nada tem de gratuito. A veiculação da propaganda eleitoral esse ano deve significar nada menos que R$ 737 milhões em renúncia fiscal às emissoras de rádio e televisão, conforme previsão da Receita Federal. Esse é o valor estimado que o governo deixará de arrecadar em Imposto de Renda para ressarcir as emissoras pela exibição obrigatória do programa eleitoral e das inserções dos candidatos.
*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político, mídia, comportamento eleitoral e opinião pública pela Universidade Católica do Salvador.