Apaga o seu farol
Não fique preocupada
Porque chova ou faça sol
Nós vamos todos pro Planalto”
(Rock do Planalto, de Zé Rodrix e Miguel Paiva)
Preocupação zero. Assim reagiu o presidente do PT da Bahia, Éden Valadares, referindo-se à divulgação de que as investigações da Polícia Federal encontraram indícios que supostamente ligam o ex-governador Rui Costa a irregularidades em um contrato de R$ 48 milhões para a compra de respiradores durante a pandemia de covid 19 – os equipamentos nunca foram entregues e até hoje não ocorreu a devolução do valor total do negócio, pago antecipadamente.
O nome de Rui Costa aparece na delação premiada da empresária Cristiana Prestes Taddeo, dona da obscura empresa Hempcare, criada para distribuir medicamentos à base de canabidiol (substância encontrada na Cannabis sativa, a planta da maconha) e que ganharia notoriedade com o caso do contrato assinado com o governo baiano para a aquisição de 300 respiradores fabricados na China. Os equipamentos seriam destinados aos estados integrantes do Consórcio Nordeste, que pelo sistema de rodízio era presidido na época pelo governador da Bahia.
O inquérito, a cargo da Polícia Federal, está em fase final e corre na Justiça Federal da Bahia, pois envolve fatos ocorridos antes de Rui Costa ser nomeado ministro.
A empresária Cristiana Taddeo fez um acordo de delação premiada em 2022 com a vice-procuradora-geral da República na época, Lindôra Araújo, já homologado pelo ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ela devolveu R$ 10 milhões e apresentou extratos bancários de transferências a intermediários da venda no valor de R$ 11 milhões, a título de comissões pelo negócio, fechado em tempo recorde.
O olhar doméstico do presidente estadual do PT, no entanto, não vê em nada disso motivo para preocupação. “O PT Bahia tem zero preocupação quanto ao que foi publicado sobre o ministro Rui Costa”, enfatizou Éden Valadares, em matéria publicada pelo site Política Livre.
Mas não é bem assim. Afinal, estamos falando de um dos homens mais importantes da República: o poderoso ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, que despacha no quarto andar do Palácio do Planalto, a poucos passos do gabinete presidencial, que fica no terceiro andar.
É pólvora pura. Tanto que a oposição fez festa e o assunto ganhou dimensões elevadas nas redes sociais bolsonaristas ao longo dessa semana. A repercussão preocupou o presidente, é claro. Tanto que Rui foi correndo se explicar ao chefe. A Lula, ele disse que é assunto requentado com o claro objetivo de prejudicá-lo politicamente. Faz sentido, mas quem é mesmo que deseja prejudicar o ministro-chefe da Casa Civil fazendo vazar para a imprensa os termos da deleção da dona da Hempcare, até então mantidos sob sigilo?
Em Brasília, apesar do esforço feito nos últimos meses para reverter a má imagem, Rui ainda é acusado de não ter trânsito com políticos – pecado mortal para quem precisa atuar em um Congresso sedento por benesses oficiais – e de agir na Casa Civil como ainda fosse governador, tratorando até mesmo colegas de ministério.
Nesse caso, o vazamento pode ter origem nos vãos do poder paralelo alimentado pelo Centrão, que volta e meia pede a cabeça do chefe da Casa Civil alegando que Rui não é bom de trato com os parlamentares.
Mas também não é segredo para ninguém que há uma guerra intramuros, travada nos bastidores do governo do presidente Lula, envolvendo o baiano Rui Costa, ministro-chefe da Casa Civil; o paulista Fernando Haddad, ministro da Fazenda; e Gleisi Hoffmann, deputada federal pelo Paraná e presidente nacional do partido de todos eles.
É guerra intestina e tem como pano de fundo a sucessão de Lula, quando o presidente resolver se aposentar das urnas – pode ser em 2026, caso não se decida pela reeleição, ou em 2030, se reeleito for. Os três alimentam o sonho de sentar-se na cadeira principal do Palácio do Planalto. Neste caso, o vazamento poderia ser fruto de fogo amigo.
Já com problemas demais no governo, o presidente Lula preferiu afastar esse cálice de sua mesa. Animal político que é, agiu politicamente: em evento no Recife, nesta quinta-feira, 4, cobriu o chefe da Casa Civil de elogios. Disse que ele é “como um primeiro-ministro” no governo. Ou seja, até segunda ordem, Rui Costa segue prestigiado.