O fascismo no nosso jardim; por Everaldo Augusto

No final do ano passado a Rádio Educadora da Bahia, emissora pública, vinculada ao Governo do Estado, me solicitou a indicação de uma obra literária, seguida de um pequeno comentário, para ser veiculada na sua programação. Sim, não se espante, ainda existem emissoras de rádio que dão dicas literárias aos seus ouvintes.

Não pensei duas vezes, acabara de ler Uma furtiva lágrima, de Nélida Piñon e, encantado com a magia de narrar da autora, apresentei esta excelente obra, que mistura memória e ficção. Ainda arrisquei fazer uma segunda indicação, pois estava concluindo a leitura do livro:  Como funciona o fascismo — a política do “nós” e “eles— L&PM, 3ª edição— do professor americano, Jason Stanley. Justificativa: o livro nos deixa assustados a cada página lida. Cada palavra do autor desnuda a realidade vivida hoje no Brasil, ou vai além, jogando luz sobre fatos atuais no cenário nacional, que abominamos, mas não sabemos suas causas, contextualização e desdobramentos.

É oportuno fazer uma pequena apresentação desta obra logo em seguida ao discurso do então  Secretário Nacional da Cultura, Roberto Alvim, ao anunciar o Prêmio Nacional das Artes,  citando literalmente Josef Goebbels, braço direito de Adolf Hitler e um dos principais teóricos do nazismo. Se bem que, nestes tempos de Bolsonaro, motivos não faltariam para realçar a importância desta obra de Jason Stanley.

O livro é organizado em dez partes nas quais o autor discorre sobre as táticas fascistas para alcançar o poder e as diferentes formas de constituição de governos fascistas, segundo as condições históricas de época e de lugar. Estas táticas materializam estratégias que se constituem em categorias fundantes do fascismo. Organizado desta forma, o livro pode ser lido também como um jogo no qual você vai identificando na vida real os conteúdos ali descritos. Trazido para a situação do Brasil, é como se os fatos da realidade fossem se encaixando como peças e revelando a essência do fascismo presente no discurso e na prática do governo Bolsonaro.

De maneira didática, Stanley nos fornece elementos para entender alguns mecanismos da política fascista, como por exemplo a obsessão em dividir a sociedade entre “NÓS” e “ELES”. No caso, “NÓS” seria a representação dos segmentos da elite econômica, racistas e supremacistas de toda ordem, conservadores e defensores da imposição do modelo de nação sobre quaisquer outras formas de identidade e representação. Por conseguinte, “ELES” seriam aqueles segmentos sociais caracterizados como parasitas, preguiçosos, criminosos, fora da lei, que na Alemanha nazista eram os judeus, ciganos, comunistas e hoje são os imigrantes, sem-terras, índios, sindicatos, feministas, minorias raciais e religiosas, trabalhadores, negros, gays, comunistas, intelectualidade progressista, a depender do lugar. Pode se acrescentar também que são incluídos neste rol do “ELES” todo o grande arco de segmentos sociais que obteve conquistas e precisa do Estado para acessar direitos de cidadania.

Para manter e consolidar esta divisão, a política fascista monta todas as suas estratégias de destruição do Estado de Direito, de desmantelamento das instituições, de distorção da realidade, de explorar o sentimento de vitimização de setores médios, de incutir permanentemente na sociedade o medo das “maquinações” que “ELES” estão sempre tramando, numa alucinante divulgação de teoria da conspiração —vocês se lembram da acusação de que Leonardo de Cáprio financiava os incêndios na Amazônia? — para ficar só em um exemplo. Tudo isso tendo como pano de fundo o apego a um passado mítico, sempre melhor que o presente, que na verdade nunca existiu e não é mais que uma estratégia de propaganda.

É claro que o livro deixa várias questões em aberto, que a nossa vivência intelectual e prática social precisam desenvolver, sobretudo quando o autor trata das causas do fascismo e aponta para as lacunas da democracia representativa, que garante ampla liberdade para o crescimento fascista. Não menos importante, assinala o autor, é a ausência da democracia econômica, responsável pelo crescimento exponencial das desigualdades, terreno propício para o fascismo atuar explorando o desencanto das massas brutalizadas pela pobreza e responsabilizando a tudo e a todos pelos fracassos de toda ordem.

Por fim, Stanley nos revela onde Hitler foi buscar as justificativas para substituir a forma democrática de sociedade pelo modelo autoritário de governar, dirigido pelo Grande Líder, no caso, o Fuher. Modelo este que, no fascismo, se reproduz em todas as instâncias sociais, políticas e econômicas. Uma simples leitura da obra vai elucidar este segredo para o leitor.

No epílogo, Stanley faz alguns alertas, talvez o mais importante seja o perigo da política fascista se normalizar, ou seja, o que é moralmente e politicamente abjeto no discurso e na prática fascista, se naturalizar, deixando de se tornar objeto da crítica geral e do julgamento social, inclusive porque, ao longo do tempo, a palavra fascista ganhou conotações extremas, que um simples alerta do perigo à nossa frente pode parecer exagero.

O discurso do Secretário Nacional de Cultura, Roberto Alvim, citando Goebbels, é um caso típico de construção desta normalização. O impacto e a reação geral ao Secretário foi proporcional ao conteúdo do seu discurso, a tal ponto que causou a sua demissão imediata. Já na segunda ou terceira vez que o mesmo discurso for dito por outra personagem fascista, a reação será sempre menor, gradativamente, até se normalizar e começar a produzir seus danosos efeitos práticos e sociais. Quando isto ocorrer, se ocorrer, significa que o fascismo já estará no nosso jardim.

Livro: Como funciona o fascismo —a política do “NÓS” e “ELES”. Jason Stanley.

Boa leitura.

Everaldo Augusto

Professor da rede púbica estadual, Mestre em Literatura Brasileira—UFBA, ex-vereador de Salvador e atual presidente do PCdoB de Salvador.Professor da rede púbica estadual, Mestre em Literatura Brasileira—UFBA, ex-vereador de Salvador e atual presidente do PCdoB de Salvador.

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