Saúde Sexual com Crianças e Adolescentes: Quem deve tratar sobre o assunto?

A família, a escola, os profissionais da saúde ou a internet? A reportagem busca saber quando, como e quem deve tratar do tema com o público mais jovem

*Por Vagner Ferreira

Discutir saúde sexual com crianças e adolescentes ainda é uma questão controversa, permeada por tabus e preconceitos que, na maioria das vezes, ocorre devido à falta de conhecimentos. Afinal, de quem é esse papel? Da família, da escola, dos profissionais da saúde ou da internet? É importante ressaltar, antes de tudo, a incompreensão e/ou distorção do real significado da palavra ‘sexualidade’, comumente resumida apenas às práticas sexuais. Logo, há uma linha tênue em relação a isso: como falar sobre sexualidade para o público jovem sem sexualizar o assunto?

A pediatra Rayana Murta, que trabalha em um hospital público de Salvador, acredita que falar sobre educação sexual é também tratar de saúde pública, mas que deve ser abordado de maneira consciente e responsável. Ela explica, inclusive, que tal assunto necessita de atenção desde os primeiros momentos de vida de um bebê. “Se a gente começa a tratar aquela criança como um ser, como um indivíduo, a gente já começa a incluir a educação sexual pedindo licença. Quando ela vai crescendo, a gente já começa falando sobre a região íntima, nomeando as partes de maneira correta, que não é qualquer pessoa que pode tocar”, pontua.

Mãe de dois filhos de fases distintas, sendo Elisa Pereira, de 7 anos (infância) e Guilherme Pereira, de 15 anos (adolescência), a contabilista Helena Marceline explica que, em casa, o assunto é comentado com frequência: “Tanto para Elisa quanto para Guilherme, eu tento falar sobre como é o corpo deles, como cuidá-los, como identificar as pessoas que tentam se aproveitar deles, que tentam tocar de forma diferente, como perceber quando estão olhando diferente. Claro, é uma linguagem própria para cada um, mas não há distinção. Eu não educo por ser menina ou por ser menino, educo para que sejam preservados, para que sejam cuidados. E para que eles tenham abertura para falar com a gente sobre qualquer acontecimento em relação a isso. A gente está em um mundo em que pais e mães se fecham para esse assunto e esses jovens muitas vezes não podem falar nada do tipo”.

Segundo ela, a educação durante a infância e adolescência molda adultos responsáveis nas relações afetivas, e ainda, reforça que a conversa não é sobre sexo: “Acredito que as pessoas têm muito isso na cabeça e por esse motivo criam um tabu ali em volta da educação sexual”, pontua.

Marido de Marceline e pai de Guilherme e Elisa, o Estagiário de Redes e Tecnologia de Computadores, Rodrigo dos Anjos, reforça a importância do assunto a ser debatido em casa e detalha como a abordagem é feita por ele: “Há uma certa idade em que os pais precisam falar sobre as questões mais delicadas com seus filhos. E eu falo de acordo com a linguagem de cada um. Com o mais velho, converso sobre o uso de preservativos, sobre os cuidados com quem irá se relacionar, sobre o que é o sexo, entre outras questões. Já com a pequena, converso que ninguém tem o direito de tocar em suas partes íntimas e nem deixá-la constrangida ou coagida, além de explicar como deverá se portar em possíveis casos de abuso. Temos que ter cuidado com nossos filhos, e isso não vale apenas para as meninas, como também para os meninos. Temos a obrigação de preservá-los”, avalia.

Ele prossegue: “Meus filhos tem total abertura para conversar comigo e com minha esposa sobre questões relacionadas à sexualidade, e tentamos lidar com naturalidade para não constrangê-los”, diz. E ainda, ressalta a importância do tema ser debatido em sala de aula como uma via de mão dupla entre os educadores e os pais: “É muito importante que isso seja feito em conjunto com a escola, pois lembro na minha época em que escolas falavam sobre doenças sexualmente transmissíveis, o uso de preservativos e anticoncepcionais, e temos que apoiá-la a fazer o seu papel de educadora, estando também presente na educação dos nossos filhos”.

Durante a construção desta reportagem, outros dois pais (homens) de crianças e adolescentes foram procurados para dar entrevista sobre o assunto e eles se opuseram em relação à educação sexual nas escolas. O primeiro afirmou que esse é um tópico a ser discutido em casa, com a família. No entanto, quando questionado se o próprio abordava o assunto com os filhos, ele ficou desconcertado e admitiu que ainda não o fazia, pois não considerava o momento apropriado – o menino tem 9 anos e a menina 5 anos. O segundo alegou ignorantemente que “querem incluir educação sexual nas escolas para transformar as crianças em travestis”, confundindo educação sexual com estudo de gênero e demonstrando total preconceito quanto ao tema. As informações apuradas para esse texto foram passadas para ambos. Devido à recusa em dar entrevistas, suas identidades serão mantidas em sigilo.

Educação sexual nas escolas

Instituído pelo Decreto Presidencial nº 6.286, de 5 de dezembro de 2007, durante o segundo mandato do presidente Lula, o Programa Saúde na Escola (PSE) surgiu como uma política intersetorial entre os setores de Saúde e Educação, direcionadas para crianças, adolescentes, jovens e adultos da rede pública de ensino. Segundo informações disponibilizadas no site Gov.br, temáticas que envolvessem saúde sexual haviam sido removidas do programa pela administração anterior e concentrou-se apenas na alimentação saudável, prevenção da obesidade e promoção da atividade física. Contudo, no ano passado, o Ministério da Saúde reintroduziu a discussão e passou a incluir também ações e iniciativas voltadas para a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.

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Em 2023, o governo voltou a discutir saúde sexual com crianças e adolescentes nas escolas através de uma política intersetorial entre Saúde e Educação. – Foto: Freepik

As fases entre infância e adolescência são normalmente marcadas por grandes transformações físicas, emocionais e sociais, acarretadas por mudanças hormonais, assim como a chegada da puberdade, e que exigem orientações adequadas. Temas como espinhas, menstruação, higiene e fertilidade começam a surgir. E é na escola, um local ensino, aprendizagem e socialização, que os jovens passam uma parte significativa do seu tempo e têm a oportunidade de interagir com uma ampla diversidade de pensamentos e conhecimentos.

A pedagoga Rafaela Magalhães, da Escola Nós Somos o Amanhã, em Marechal Rondon, diz falar sobre o tema em sala de aula e intensifica sobre a importância de lidar com o assunto enquanto os jovens estão conhecendo o próprio corpo – seus alunos, geralmente, têm entre 9 a 10 anos.

“Tudo é a forma como você vai falar. Educação sexual aborda vários assuntos. Geralmente para a minha turma, que é do 4ª e 5ª ano, eu abordo a questão da criança saber qual é a parte que elas tem, quem pode tocar ou não, explico que elas não podem sentar no colo de outras pessoas, explico sobre gostar do coleguinha, se sentiu o coração acelerar um pouquinho mais, pois eles estão nessa fase. E a mentalidade entre as turmas, a maturidade entre eles, é bem diferente”, conta ela.

A professora explica ainda que toca em assuntos como o ‘gostar’, ressaltando que não se pode anular os sentimentos, pois ela também já gostou de alguém na idade deles, mas orienta a agir adequadamente, sugerindo que conversem com os pais, escrevam cartinhas, sentem juntos ou brinquem, mas sem chegar na fase do namoro, pois isso é coisa de adulto. Além disso, traz assuntos que estão em alta nos noticiários para dentro da sala de aula e inicia conversas e discussões, ciente de que os alunos estão sempre conectados às novas tecnologias e às mídias sociais.

Ao tratar sobre o assunto, ela destaca três pontos importantes: O primeiro é instruir as crianças levando em conta a idade e a realidade de cada uma delas; o segundo é fazer com que as crianças olhem pra escola e vejam ali como um local de proteção e acolhimento, independente da circunstância; e a terceira é desconstruir falas e manipulações muitas vezes utilizadas em casos de pressões psicológicas e abusos.

“O papel da escola, além de ensinar e orientar, é criar um ambiente confortável para a criança, na medida do possível, claro, porque tem questões que a gente não pode fazer, que é papel do pai e da mãe, da família. Mas o ambiente da sala de aula precisa ser acolhedor. Se ela não tiver acolhimento em casa, ela precisa saber que na escola ela tem, que as pessoas ali vão proteger ela”, diz a pedagoga, que também é questionada pelos alunos sobre o que faria caso alguém relatasse um desses casos de violência e ela responde: “Eu digo que a gente vai para algum lugar até que tudo seja resolvido. E acredito que, mesmo brincando, eu consigo mostrar pra eles que, independente de quem for a pessoa ou qual seja a situação, eu sempre vou acreditar e estar com eles”.

Quando se fala em saúde sexual é possível que se tenha em mente apenas a saúde física. No entanto, para a Psicóloga e Analista Cognitiva do Comportamento Terapêutico voltado especificamente para crianças e adolescente, Cristiane Simões, não tem como falar deste tema sem associar a saúde mental, emocional e psíquica. A falta sobre tal, pode gerar exploração, pressões psicológicas e quaisquer tipos de abusos. Para ela, “é um pensamento muito errôneo não falar sobre saúde mental também, pois ao invés da gente procurar preservar as nossas crianças, a gente deixou elas a mercer?”, indaga.

Cuidados psicológicos essenciais

Segundo informações do Observatório Nacional de Direitos Humanos (ObservaDH) – plataforma do MDHC – em 2022 o Brasil registrou 54.490 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, incluindo estupro, pornografia infanto-juvenil e exploração sexual. Desses casos, 95,4% foram estupros, com maior incidência entre 10 e 13 anos (42,2%). Entre as vítimas de estupro de vulnerável com até 13 anos, 86% eram meninas e 56,2% eram crianças negras.

A psicóloga alerta que o ensino da educação sexual pode ampliar o olhar dos jovens mediante à essas circunstâncias e apresentar medidas de segurança para eles: “O jovem ter a sexualidade bem resolvida é muito importante, pois evita muitos transtornos. Esse é um tema que tem que ser abordado desde o primeiro momento da vida, visto que, é uma forma de protegê-los. A sexualidade engloba o nosso bem-estar, a nossa relação conosco mesmo. Ela nos faz entender aquilo que gostamos quando nos vemos no espelho, e faz a gente se conhecer.”, explica.

Ela continua, sobretudo, informando que é fundamental abordar o assunto de maneira não-agressiva, de forma leve, lúdica e acolhedora. “Todos nós já fomos crianças e adolescentes e temos que nos colocar no lugar deles. Sabemos o quanto era difícil tratar sobre alguns assuntos, hem? Mas a gente precisa ter uma linguagem correta. Eu confio muito nessa comunicação assertiva, pois assim, a gente consegue consegue falar sobre qualquer assunto”, recomenda.

A pediatra segue com a mesma linha de raciocínio e recomenda três livros fundamentais para tratar da comunicação sexual com as crianças. ‘Pipo e Fifi’; ‘Meu Corpo e Meu Corpinho’; ‘Não Me Toca, Seu Boboca’. Para ela, problemas como abusos, gravidez indesejada e Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) podem ser evitados caso haja mais informação sobre o assunto. “Certa vez eu tive uma paciente em que apresentei uma vacina que faz parte do calendário, que é a HPV, protegendo contra a DST, e que a falta dela pode vir a tornar um câncer. No entanto, a mãe disse que a filha não tomaria porque isso iria estimular ela a ter relação sexual”, narra, revoltada.

A falta de comunicação sobre o assunto pode levar crianças e adolescentes, que inevitavelmente estão conectados a um celular, a buscarem informações no universo internet. Não obstante, essa busca pode resultar em interpretações equivocadas e exposições a conteúdos distorcidos, performáticos e inadequados, como é o exemplo do abuso infantojuvenil on-line e ao consumo à pornografia.

- Saúde Sexual com Crianças e Adolescentes: Quem deve tratar sobre o assunto?
A falta de conversa sobre o assunto em casa pode fazer com que muitos jovcns busquem informações na internet, em conteúdos manipulados e impróprios – Foto: Freepik

Desinformação digital
De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), conteúdo pornográfico pode ser extremamente prejudicial para as crianças e a exposição precoce a esse tipo de material pode resultar em problemas de saúde mental, assim como de sexismo, objetificação e até mesmo de violência sexual. Outrossim, quando as crianças assistem a pornografia que retrata comportamentos abusivos e misóginos, existe o perigo de que elas comecem a ver tais comportamentos como normais e aceitáveis.

A psicóloga acredita que é preciso ter cuidado ao tratar sobre o assunto, enfatizando que aquele conteúdo não é real e passa por manipulações, não havendo sentimentos e nem conexões profundas e intensas, pois as cenas se tratam de um produto que vem a se tornar um filme com o objetivo de gerar lucro/dinheiro. Para ela, é importante trazer conscientização sobre as consequências que podem trazer para a saúde mental de quem está consumindo, ainda mais quem consome esse conteúdo em excesso.

A pediatra também se mostra preocupada com a saúde dos jovens e traz um alerta referente o consumo excessivo de telas sem o devido controle, pois tem causado adoecimento mental crescente nas crianças e nos adolescentes, tornando a situação cada vez pior.

“Se a educação sexual em casa ainda é um tabu, os jovens estão fortes na internet, e tem curiosidade para tal. Mesmo que não saibam escrever, eles podem pesquisar qualquer assunto através do áudio, e assim aparecerá vários tipos de informações. E eles vão conversar uns com os outros dentro de sala de aula, pois têm a necessidade de estar em grupo. Se uma criança tem uma autoestima baixa e tiver em um grupo virtual onde dizem que ela só vai participar se enviar uma ‘nudes’, e ela não entende o que é parte íntima, muito provavelmente ela vai mandar uma foto sua sem roupa. Em algum momento essa criança vai também passar por um adoecimento que pode levar a um fator que não é tão divulgado, como é o caso do suicídio”, lamenta, preocupada.

Falar sobre saúde sexual com crianças e adolescentes é um dever da família, da escola e dos profissionais de saúde – seja do pediatra, seja do psicólogo e das demais especializações médicas, como do ginecologista, do urologista e afins. Os responsáveis precisam estar atentos às páginas onlines em que esses jovens navegam, para evitarem violências e para que eles não caírem em desinformação.

No mais, qualquer pessoa que percebam sinais de abuso – seja físico ou através da comunicação digital -, ou de casos de violência sexual, podem colaborar evitando que determinados casos aconteçam. As denúncias podem ser feitas de forma anônima e segura pelo Disque-denúncia Nacional, através do número 100 e também por meio da delegacia física ou virtual (https://delegaciavirtual.sinesp.gov.br/portal/). Ambos os serviços estão disponíveis diariamente, incluindo feriados e finais de semana – sendo o Disk Denúncia das 8h às 22h -, e assim, oferecendo um canal confiável para proteger as vítimas e garantir que os casos sejam tratados com a devida seriedade.

- Saúde Sexual com Crianças e Adolescentes: Quem deve tratar sobre o assunto?*Vagner Ferreira,
Sou jornalista graduado pela Faculdade Unime/Anhanguera, com experiência na comunicação da TV Aratu, Grupo A TARDE, TV Bahia, Câmara Municipal, SECIS, TRE, e agora, no Informe Baiano; O que me motiva é conhecer e contar diferentes tipos de histórias.

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