A implementação de um parque solar na zona rural baiana, nas cidades de Uibaí e Ibipeba, que ficam entre as regiões de Irecê e da Chapada Diamantina, promovido como avanço na transição energética, desencadeou uma onda de protestos e acendeu o alerta sobre os impactos socioambientais associados a grandes projetos de “energia renovável”. O caso expõe o dilema entre sustentabilidade e preservação de ecossistemas frágeis.
O Instituto do Meio Ambiente da Bahia (Inema) autorizou, ainda em maio de 2024, o desmatamento de 1.524 hectares de Caatinga para instalar um parque solar da norueguesa Statkraft, em Uibaí. Cerca de 441 hectares são Áreas de Preservação Permanente, essenciais à recarga dos rios Verde e Jacaré. A ideia da empresa é instalar mais de 1,5 milhão de placas solares.
A região abriga 230 espécies vegetais e 200 espécies animais, com dezenas em situação de ameaça. Lideranças locais, como Edimário Oliveira Machado, da ONG Umbu, ajuizaram mandado de segurança contra a licença ambiental. Embora o Tribunal de Justiça da Bahia tenha suspenso a autorização em novembro de 2024, em dezembro a empresa conseguiu reverter a decisão por 90 dias — prazo suficiente para concluir o desmatamento.
O movimento “Grito da Caatinga”, em janeiro de 2025, reuniu 68 organizações em protesto contra devastação. As comunidades tradicionais também mobilizam o Protocolo de Consulta Livre, Prévia e Informada, previsto na Convenção 169 da OIT.
O bioma já enfrenta cerca de 4.500 hectares de desmatamento só em 2023, impulsionados por empreendimentos de energia renovável — um crescimento de quase 10 vezes desde 2020.
No semiárido, projetos similares em Paraíba, Rio Grande do Norte e BA apontam para desalojamento de famílias rurais, poluição, perda de nascentes e compactação do solo por obras e estradas. Ambientalistas e movimentos sociais classificam o cenário como “predatório”: promessas de contratos açucarados, mas com cláusulas abusivas e forte assimetria de poder.
Há denúncias de explosões, assoreamentos e uso de herbicidas que contaminam açudes — exemplos extraídos da implantação do Complexo Santa Luzia, na Paraíba. O licenciamento é alvo de críticas por falhas na transição ambiental — relatórios afirmam que optar por áreas já degradadas seria menos agressivo ao meio rural .
Iniciativas comunitárias de reflorestamento ganham força: na localidade de Uibaí, mais de 8.000 mudas já foram plantadas para recuperar nascentes. Especialistas defendem que a expansão da energia solar priorize telhados, áreas urbanas e terrenos já degradados, reduzindo o impacto ecológico.