“Quer andar de carro velho, amor,
Que venha,
Pois eu sei que amar a pé, amor,
É lenha!”
(Carro Velho, de Ivete Sangalo e Nina)
A ideia de uma rede de veículos leves sobre trilhos (mais conhecidos pela sigla VLT) ligando a Ilha de São João, em Simões Filho, ao bairro do Comércio, em Salvador, para atender principalmente aos 600 mil moradores do Subúrbio Ferroviário, não está definitivamente morta.
Pelo contrário: segue fervilhando nos criativos laboratórios do Governo do Estado, onde projetos de verdade se misturam costumeiramente com factoides, gerando sonhos coloridos servidos generosamente à população por meio da intensa propaganda governamental.
É bem verdade que o governo rompeu o contrato com o consórcio Skyrail Bahia, formado pelas empresas chinesas Build Your Dreams (BYD) e Metrogreen, vencedor da licitação para construção e operação do novo sistema de transporte, depois que os custos do projeto saltaram dos iniciais R$ 1,5 bilhão para R$ 5,2 bilhões, um aumento de 246%, sem que um único trilho fosse assentado.
Aliás, a única ação concreta desde 13 de fevereiro de 2019, data de assinatura do falecido contrato, foi a retirada dos trilhos da antiga ferrovia, após a desativação dos trens que há mais de 160 anos serviam aos moradores do Subúrbio Ferroviário.
Mas, não há, ainda, motivo para avexamento. O distrato anunciado pelo governo não significa que o sonho acabou. Tanto que, no final desse mês de setembro, o governo deverá publicar um novo edital de licitação para escolher uma outra empresa que vai construir e operar um modelo mais econômico de VLT.
O primeiro passo para assegurar uma sobrevida ao projeto do VLT do Subúrbio e seguir produzindo novas peças de propaganda até a próxima eleição já foi dado: o governo da Bahia abriu entendimentos para adquirir alguns trens de segunda mão, de modo a baratear a implantação desse sistema de transporte.
É isso mesmo, incrédulo leitor: a Bahia já manifestou interesse em comprar um lote de 40 trens, somando 280 vagões, adquiridos pelo Governo do Mato Grosso para a implantação de uma linha de VLT ligando Cuiabá a Várzea Grande com o objetivo de melhorar a mobilidade urbana durante e após a Copa do Mundo de 2014.
Adquiridos em 2012, os trens, fabricados por uma empresa espanhola, estão encostados e sem utilidade desde que o governo do Mato Grosso desistiu da construção do VLT e decidiu pela implantação de um sistema de ônibus de trânsito rápido, mais conhecido pela sigla BRT (do inglês “bus rapid transit”).
Há pelo menos oito anos o governo mato-grossense tenta, sem sucesso, vender esses 40 trens na bacia das almas, antes que eles virem sucata. Agora parece que encontrou um comprador e vai passar o mico adiante.
O vendedor faz sua parte e jura que os veículos, cuja vida útil é estimada em 30 anos, estão em bom estado. Já o comprador faz vista grossa para a possibilidade de adquirir equipamentos obsoletos, mesmo que parcialmente. Afinal, nesses dez anos certamente foram desenvolvidas e introduzidas novas tecnologias capazes de deixar os veículos mais modernos, econômicos e sustentáveis.
Para compensar o eventual obsoletismo dos trens, o governo vai incluir no pacote de lançamento do novo e mais barato VLT do Subúrbio uma novidade: uma linha complementar que vai levar os trens até a praia de Piatã, passando por Águas Claras e seguindo as avenidas 29 de Março e Orlando Gomes.
Uma curiosidade: há exatos 29 meses, no dia 8 de setembro de 2021, o então governador Rui Costa anunciou aos baianos, por meio de uma transmissão de vídeo feita da fábrica da BYD na China, a conclusão do primeiro trem do futuro VLT do Subúrbio. Era um factoide, como se vê.